Desde muito cedo, enfim, eu escrevo. Aos vinte anos já tinha mais de duzentos contos e dois romances na gaveta. Eram bons? Acho que não. Faltava alguma coisa. Faltava vida, experiência, maturidade. Então eu fui fazer outras coisas. Me casei, tive filhos, fiquei hipnotizado pelo mundo da informática e embarquei na revolução das tecnologias móveis e do pontocom. Viajei, participei de projetos interessantes e inovadores. Nessa altura alguém, em alguma redação de revista de informática, descobriu que eu sabia escrever, e me chamou para colaborar. E aí eu comecei a ter uma atividade paralela, na mídia. Não era literatura (para a qual eu ainda não me sentia preparado), mas pelo menos era escrita. E assim eu acabei colaborando, ao longo do tempo, para publicações como InfoExame, Jornal do Brasil, Estadão, até parar com tudo e ficando, a partir de 2006, apenas com a revista Trip, da qual me tornei colunista, e, desde o fim de 2013, com o Jornal Rascunho, para o qual seleciono e traduzo poetas pouco conhecidos no Brasil. Num certo ponto desse percurso eu já estava mais seguro de minha escrita e vinha produzindo romances com regularidade, que as editoras teimavam em recusar, mesmo, muitas vezes, elogiando.

E então apareceram os e-books. Caramba! E o KDP! Os dois universos que eu vinha levando de maneira mais ou menos paralela desde a adolescência agora se uniam: os livros, de um lado, as tecnologias conectadas e móveis, do outro. Uma coisa eram os meus livros, que finalmente passariam a ser publicados. Mas muito mais era possível. Uma das minhas velhas obsessões, na história, era a questão da memória e do esquecimento (também presentes em meus romances). E, definitivamente, dava para fazer alguma coisa por aí.

Foi assim que surgiu a ideia de criar a Editora Descaminhos, onde, além de trabalhos inéditos (como o meu próprio), livros fundamentais, e relegados aos sebos, voltariam a ver a luz: começamos com Pagu, Geraldo Ferraz e Jorge Andrade (hoje repassados a outro selo), e muitos mais estão vindo por aí. Enfim, eu não tenho nenhuma dúvida de que estamos vivendo uma revolução. E eu tive a rara felicidade, neste projeto, de ver unidas todas as minhas paixões profissionais, e ainda por cima publicando meus próprios livros. E já são, até agora, três romances publicados: A Vida nas Montanhas, a A Cultura dos Sambaquis e Cemitérios.

A literatura, para mim, é o diálogo com outras obras, com o que já foi feito, e não só no mesmo gênero. É Arte, antes de ser entretenimento. E arte, para acontecer, pressupõe técnica, erudição e maturidade. Eu não acredito em "arte intuitiva", embora reconheça que a intuição seja um componente importante. Nabokov dizia que um escritor precisa: 1) saber contar uma história; 2) ser um professor; 3) ser um mago. É por isso que acredito que é preciso ler muito antes de se querer escrever. E que é necessário escrever muito, antes de se querer publicar, até que se encontre a própria voz. Chegando nesse ponto, o resto é consequência.